Müsteiro
Chuva em Novembro, Natal em Dezembro.
5.6.05
A nossa cidade foi mais uma vez notícia a nível nacional. Mais uma vez, pelos piores motivos. Desta vez, uma falha de energia eléctrica com a duração de 15 horas foi o que trouxe as câmeras de televisão até à Guarda. O apagão acabou por revelar-se, ainda assim, uma noite com um brilho muito especial.
Esta terça-feira, faltavam cerca de 10 minutos para as 22 horas, vi interrompida uma ida ao cinema pelo referido corte de energia. Os disparos e explosões espaciais foram substituídas repentinamente por uma escuridão parcial, apenas quebrada pela luz tímida das lâmpadas indicadoras da saída. Como a situação caricata se manteve por bastante tempo, a devolução do dinheiro era inevitável, e aconteceu.
No regresso às ruas, impressionava a escuridão nunca completa, rasgada pelos automóveis que circulavam. Apesar da ausência do conforto da luminosidade, os transeuntes eram numerosos, convidados talvez pela diferença das circunstâncias conjugada com a brisa morna da noite.
O estômago pediu-me na altura uma refeição tardia, pedido que foi, obviamente, satisfeito. Não fossem as comodidades próprias de um apartamento de cidade e pareceria esta uma ceia de outros tempos: a indispensável luz da vela conferia a tudo um aspecto envelhecido, como se olhássemos para o passado. De forma natural se gerou um diálogo ameno, em que os risos e as gargalhadas surgiam com facilidade, estando sempre presente uma atracção pelas janelas para contemplar a noite, mais negra que nas outras noites, mais noite que as outras noites.
De volta ao exterior (chamava-nos), o programa escolhido não poderia ser melhor: contemplar o espectáculo que o imprevisto indesejado nos oferecia, a partir do ponto mais alto da cidade.
Nesta altura escasseiam-me já os adjectivos para descrever os momentos passados junto à Torre de Menagem: simplesmente parecia que o mundo tinha sido invertido, pois a escuridão que normalmente estava acima das nossas cabeças cobria agora o chão à nossa volta, e as luzes, essas, estavam todas no céu, mais visíveis que nunca. Com um pouco de sorte e atenção, era possível ver algumas que não ficam estáticas à espera que as contemplemos, e que rasgam o céu em fracções de segundo. É um pouco como encontrar um tesouro só nosso...
Os 1056,3 metros de altitude atraíram também mais noctívagos: alguns alegres aglomerados espontâneos foram surgindo, um deles inclusivamente com acompanhamento musical (guitarra).
Por toda a cidade se viam curiosos, quer passeando pelas sombrias ruas ou juntando-se à porta dos bares, bebendo e conversando, levando-me a pensar que um acontecimento que pode, à partida, trazer apenas inconvenientes, também é capaz de despertar algumas facetas ocultas nos habitantes deste pequeno burgo.
Não critico os que optaram por ficar na segurança no lar, repousando mais cedo que o habitual ou aproveitando para aumentar a taxa de natalidade (boa opção, preciso muitos futuros alunos), mas um espectáculo destes, pelo seu carácter imprevisto, merece ser disfrutado de olhos bem abertos.
Poderia fazer um discurso crítico face ao terceiro-mundismo desta falha... mas quantos não têm vontade de, por vezes, regressar à beleza da vida simples dos tempos de outrora? Pois bem, o apagão proporcionou-nos uma noite que será do mais próximo que conseguimos estar dessa simplicidade. Por contraditório que pareça, ver as coisas à meia-luz de uma vela pode fazer com que as vejamos de uma forma muito mais clara...
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