(post atrasado)
Decorreu no passado dia 22 de Abril, na Mediateca, mais um evento cultural parcamente publicitado, desta vez na área da música. Exceptuando a funcional e bem difundida agenda cultural, são escassos os meios de divulgação do que se passa de interessante neste burgo do interior. Talvez a situação se modifique com o início de actividades do Teatro Municipal da Guarda, e talvez este não se torne num CCB das Beiras. Talvez. Espero para ver.
Voltando ao que interessa, foi a Mediateca que serviu de “palco” à segunda visita dos
Fadomorse à nossa cidade. E coloco palco entre aspas porque é algo que, tal como condições para um concerto, não existem naquele local. Ainda assim, não foi isso que impediu que estes aveirenses deslumbrassem, durante hora e meia, as cerca de 15 (!) pessoas que acorreram ao local.
Tenho a certeza quase absoluta que, tal como eu, os restantes espectadores não sabiam o que os esperava quando entraram na sala. Porém, tenho também a certeza que, no fim do espectáculo, ninguém abandonou a sala desiludido.
O espectáculo iniciou-se com apenas um dos elementos presente, o vocalista/guitarrista Hugo Correia. Um início um pouco cauteloso, onde era difícil dizer quem se encontrava mais na expectativa e a "apalpar terreno", se o músico, se o público. Cedo se percebeu que esse papel cabia ao público, pois quem trazia a música sabia o que fazia. A guitarra, sem distorção e sem falhas, juntava-se à voz um pouco grave, um pouco rouca, trazendo um fado triste e invulgar, um fado desenraizado e sem clichés. Porque, se o fado é tristeza, é saudade, os Fadomorse sentem-no e cantam-no.
O rol de canções desenrolou-se e os restantes membros da banda (não todos pois, pelas palavras do vocalista, normalmente são 9 elementos em palco) juntaram-se para trazer imagens, histórias e emoções acrescidas, juntamente com uma técnica perfeita e extremamente eclética em cada um dos instrumentos em palco. Laivos de folclore, jazz, hard rock, pop, rock progressivo e até um certo tom circense presente em algumas das músicas. Mas sempre fado: tocado com alma, tudo mesclado de forma eficaz e cativante.
E eis que, quando a mistura não parecia possível de se tornar mais improvável (ainda mais a quem lê isto sem ter estado presente), um estranho mas simpático personagem que se encontrava em palco apenas de microfone em punho inicia um rap alegre, emotivo, expressivo. Não sendo grande fã do género (salvo algumas honrosas excepções), este rap/hip-hop, como lhe queiram chamar, não desvirtua de forma alguma a riqueza sonora dos temas, antes se revelou uma mais-valia, dando uma agradável "dissonância" ao som dos Fadomorse. Obviamente que o facto de este "canto falado" ter como suporte musical uma base real, orgânica e bem estruturada é uma vantagem enorme (no que toca ao valor e à qualidade) em relação à maioria dos casos em que este é realizado sobre um qualquer "sample" frio e maquinal.
Faltaram ainda os instrumentos de sopro, que encaixariam na música como peças de um puzzle, mas não foi possível devido à saída do elemento da banda responsável por eles... por infeliz coincidência, nesse mesmo dia.
Ao longo de cerca de uma hora (hora e meia? - sinceramente, perdi um pouco a noção do tempo) o escasso público foi presenteado com algo que eu só consigo classificar como do melhor que já vi surgir no panorama musical nacional nos últimos 5 anos. Pegando no que já existe de bom por cá (são muitas e variadas as influências: Jorge Palma, Rui Veloso, Zeca Afonso...), juntando-lhe um cheiro dos anos 70 (Jethro Tull, Camel...), e não faltando a coragem necessária para não ficar por aí e dar largas a todo o potencial criativo revelado. Sem esquecer, obviamente, o fado. Não aquele fado banal das guitarras, voz com trejeitos duvidosos e tiques esquisitos. O fado presente na música dos Fadomorse é o fado da alma portuguesa, um fado vagabundo, um fado triste mas não choroso, um fádo nómada. Morse...? Porque comunica, grita, leva a mensagem que pede para ser descodificada. Gostaria de falar um pouco mais do conteúdo lírico dos temas mas, sinceramente, confesso que estava demasiado inebriado pela música para conseguir memorizar o que quer que fosse ou puxar de um bloco e anotar o remoinho de frases e pensamentos que me surgiam em catadupa.
Por incrível que pareça, estes rapazes vão já no 3º álbum publicado e continuam a ser uns génios desconhecidos. Sei que quem assistiu àqueles momentos no dia 22 de Abril lhes reconhece o valor, o suficiente para lhes pedir que prolongassem o espectáculo por mais uns minutos. Mas pouco mais que uma dúzia de pessoas é pouco, pois quem canta Portugal devia ser reconhecido.
Tenho esperança que o resto do país tenha um mínimo de bom gosto e cultura musical. Para mim, apenas um pouco de sensibilidade seria suficiente. Se assim for, os Fadomorse vão longe. Mas talvez isso já seja pedir muito...